Estava um dia horrível. Daqueles dias em que, sem que algo o fizesse prever, no meio de um calor intenso e húmido, começou a chover torrencialmente e apanhou toda a gente de surpresa.
Corri para me abrigar na paragem de autocarro que me levaria de volta à Aldeia, mas mesmo assim não consegui evitar uma grande molha. O meu humor também já tinha conhecido melhores dias e aquele calor seguido da chuvada torrencial não contribuíram certamente para o melhorar. O jornal que acabara de comprar no quiosque, utilizei-o como abrigo da chuva enquanto corria para a paragem. Pura tolice, eu sei, pois não só não me evitou a molha, como acabou por ficar empapado e num estado irrecuperável.
Para melhorar as coisas, eis que passa um daqueles condutores espertinhos que fazem questão de acertar nas poças de água que se formam quando chove e se divertem à custa dos transeuntes… acertou em cheio na poça que se formara em frente à paragem e apanhei um banho de alto a baixo! Enquanto o insultei de tudo o que me veio à cabeça tentei sacudir a água da roupa… em vão. Sentei-me furiosa no pequeno banco da paragem de autocarro, procurando um ângulo em que a chuva que teimava em cair não me atingisse.
Coloquei a minha cara 38 e estava capaz de morder o primeiro incauto que se aproximasse e tentasse sequer trocar uma palavra comigo. Enquanto maldizia o tempo e a vida, só desejava que o autocarro chegasse e me levasse a casa onde um bom duche quente talvez me salvasse daquele estado miserável.
Foi neste momento que senti que alguém se aproximava de mim e olhei com a minha cara de poucos amigos para evitar qualquer tipo de conversa. Era uma mulher jovem, muito bonita, que tentava também abrigar-se da chuva no espaço exíguo da paragem onde eu me encontrava. Não sei de onde veio a minha súbita boa disposição e vontade de comunicar, mas ao olhar aquela mulher, de imediato a minha cara se transformou num sorriso amistoso e prontamente me desloquei um pouco para o lado, no banco, dando-lhe espaço para que se sentasse, apesar de isso implicar que eu iria ficar um pouco exposta à chuva.
– Está um dia horrível, não está? – Perguntei.
– Sim, está mesmo. – Respondeu, enquanto com um lenço procurava enxugar o rosto, o que a fez ficar praticamente sem maquilhagem, mas tornou o seu rosto ainda mais radiante.
Ela trazia vestida uma camisa e uma saia, roupa típica de quem trabalha num escritório ou algo do género, mas que com a chuva se haviam colado por completo, delineando perfeitamente as linhas do seu corpo.
– Vem do trabalho? – Perguntei. Aliás, foi a única pergunta que me ocorreu e que me permitiria ganhar mais algum tempo para poder continuar a olhar para ela e para o seu bonito corpo, admirando as suas formas sem me tornar suspeita.
– Sim, venho. Esta chuva apanhou-me completamente desprevenida. Estou encharcada. – Respondeu com ar pesaroso.
Estive a ponto de lhe dizer que apesar do desconforto, aquela chuva lhe assentava muito bem. O efeito causado no seu cabelo longo e molhado, a roupa colada ao corpo, o rosto lavado e reluzente… em vez disso, saíu-me uma frase que ainda hoje me pergunto onde a fui buscar:
– O aquecimento global está a fazer notar cada vez mais os seus efeitos.
– Sim, é verdade. – Disse com um sorriso.
Mas que estava eu a dizer? Que raio de conversa mais gasta era esta que eu estava a fazer? De onde vinham aquelas palavras. Nunca na minha vida me imaginaria sequer a fazer uma conversa destas.
– Está a chegar o meu autocarro! Também vem neste? – Perguntou-me.
– Não. Vou para outro lado. – Respondi.
Sorriu e começou a encaminhar-se para o autocarro. Foi então que me surpreendi ainda mais a mim própria, quando ouvi a minha voz dizer bem alto:
– Olhe… Obrigada!
Ela parou, deu meia volta e olhou para mim com um ar de incredulidade e surpresa que me fez desejar enfiar pelo chão abaixo e pedindo a todos os santos para que mais ninguém tivesse ouvido o que eu acabara de dizer.
– Obrigada? Porquê? – Perguntou-me.
– Por me ter alegrado o dia. – Respondi.
Ela acenou um adeus com a mão e correu para o autocarro que entretanto já retomava a sua marcha.
Dirigi-me ao cesto do lixo mais próximo e arremessei lá para dentro o jornal empapado que ainda tinha na mão, como se com aquele gesto pudesse também retirar da minha cabeça aquela linda jovem e os meus pensamentos sobre ela. Olhei ainda enquanto o autocarro se afastava e fiquei ali na paragem aguardando a chegada do meu autocarro, com uma diferença; agora, para além do mau humor que voltou, estava também acompanhada de um estranho sentimento de perda.
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