Partilhas

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Finalmente um raio de sol, ao fim de tantos dias cinzentos, muita chuva e frio. Acordei relativamente cedo e após um pequeno-almoço frugal decidi ir fazer uma pequena caminhada. Enquanto caminhava pela rua principal da Aldeia, encontrei uma vizinha que me abordou.

– Bom dia menina!

– Bom dia Dª Ermelinda, como vai?

– Bem, na graça de Deus! E a menina, como vai?

– Bem, obrigada. Aproveito este Sol para fazer uma caminhada e arejar!

– Faz muito bem, não fossem estas minhas cruzes que tanto me incomodam, bem que a acompanhava !

– Pois, é uma pena quando a saúde não ajuda.

– Mas ainda bem que a encontro, porque ando aqui com uma dúvida e acho que a menina é capaz de me ajudar…

– Então diga lá o que é, Dª Ermelinda.

– Depois que a minha sogra morreu – que Deus tenha a sua alma em descanso – temos andado a tratar das partilhas. Sabe como é, começa cada um a puxar a brasa à sua sardinha, e não tarda nada está o caldo entornado…

– Então porquê? Eu não sou advogada, como sabe, mas diga lá qual é o problema, pode ser que eu possa ajudar.

– Pois, eu sei que não é advogada, mas gostava de ouvir a sua opinião… O problema menina, é que há uma pessoa que no meu entender está a ser muito prejudicada com isto das partilhas… E eu não sei como a posso ajudar.

– Então, mas diga lá, qual é o problema.

– Bom… Isto é um assunto bastante íntimo, mas como confio na menina para não ir falar sobre isto com outras pessoas, é o seguinte… A minha sogra era viúva há muitos anos, a menina sabe… e vivia lá em casa com ela aquela amiga que também era viúva…

– Sim, sei quem é, a Dª Fernanda. E então?

– Bom, a questão menina, é que elas eram mais do que amigas… Entende o que eu lhe estou a dizer?

– Ah! Sim, entendo… E então?

– Pois… Elas viviam juntas, pronto, mas nunca se podia falar no assunto, entende… O meu marido então,  uma vez quase que me batia por causa disso… E não dirigia palavra à mãe há muitos anos  por essa razão.

– Agora entendo essas zangas. Mas então, qual é o problema que a preocupa agora?

– O problema é que a Fernanda enquanto viveu com a minha sogra sempre contribuiu para tudo… A casa, as despesas do dia a dia, enfim, tudo… E, agora que a minha sogra faleceu, o meu marido e os irmãos não querem que a Fernanda tenha direito a parte dos bens nas partilhas, porque a casa e as terras estão todas em nome da falecida!

– Isso é mesmo uma injustiça, e temo que a Dª Fernanda não vá conseguir grande coisa… Vai estar dependente da boa vontade alheia… Mesmo que consiga provar que vivia em união de facto.

– Sabe menina, agora entendo aquela conversa sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se elas fossem casadas, agora a pobre Fernanda, para além de ter ficado sem a companheira, não teria também de lutar para ficar com as coisas a que justamente teria direito… se houvesse justiça.

– Esse é o problema Dª Ermelinda, a desigualdade perante a justiça, e a hipocrisia das pessoas que por um lado descriminam, mas depois, quando se trata de bens e riqueza logo esquecem que antes tinham abandonado a outra pessoa!

– Quer dizer então que não tenho como ajudar a Fernanda?

– Pois, infelizmente parece-me que não, a não ser que consiga fazer ver ao seu marido e aos irmãos dele a injustiça que estão a cometer…

6 Respostas to “Partilhas”


  1. 1 g Fevereiro 8, 2009 às 12:34

    Eu nao acredito! Na volta somos mesmo primas…

  2. 2 pilantra Fevereiro 8, 2009 às 13:14

    Pois é!… Até eu, que sou contra o MEU casamento, entendo muito bem a discriminação a que estamos sujeit@s. Valemos para a igualdade nos deveres, mas não para os direitos!
    É bom que as pessoas tenham consciência dessas dificuldades e procurem salvaguardar as situações. Há sempre uma parte disponível que é possivel legar em testamento – e que permite a entrada na habilitação. E existem outros pequenos subterfúgios de que se servem os heterossexuais para fugirem aos seus «casamentos» que também nós podemos utilizar. Mas é necessário tratar disso com advogados experientes e conhecedores – e correr os riscos inerentes, evidentemente.
    Não quero ser demasiado «dura», mas há em todos os casos pessoas que fogem às suas responsabilidades. Ou que deixam ao «tempo» a resolução dos problemas – o que é uma maneira fácil de deixar tudo como está.
    Tudo o que não é claro… não ficará claro.

  3. 3 Da Aldeia Fevereiro 8, 2009 às 23:04

    O mundo é pequeno, mas não creio que seja esse o caso. Primas sim, mas naquele outro sentido conhecido. 🙂

  4. 4 Da Aldeia Fevereiro 8, 2009 às 23:09

    Acredito que muita gente ainda não olhou para a questão do casamento por este prisma, e isso deve-se também ao cunho meramente sexual que a oposição sempre procura dar à questão.
    Quando o assunto voltar verdadeiramente à discussão, este é um ponto que no meu entender deve ser bastante salientado pelos defensores do casamento, deixando bem claro toda a espécie de direitos que estão em causa.

  5. 5 pelas alminhas Fevereiro 9, 2009 às 07:25

    Ora ai esta um tema que me “pone calentita”

    Em zapaterolandia de facto os individuos do mesmo sexo podem casar – mas as UNIOES DE FACTO HETEREO nao teem direito a pensao de viuvez… e teem mais cada x que mudas de cidade tens que fazer todo o processo de novo e nunca é a mesma papelada (até dentro da mesma m*rd* de comunidade autonomica)…

    Ou seja VEMO NOS OBRIGADOS A CASAR para estar minimamente protejidos.

    Como sempre digo: As opçoes sexuais nao deveriam ter nada que ver em este assunto. mas por desgraça ate estamos no mesmo barco

    ………………………..

    http://iabogado.com/esp/guialegal/guialegal.cfm?IDCAPITULO=01080000#01081500000000

  6. 6 Da Aldeia Fevereiro 10, 2009 às 00:57

    Pois… aqui, para a comunidade gay, só existe mesmo a união de facto, e muito, muito limitada nos direitos, seja para quem for.


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